Um jovem de sucesso

Desde que me conheço por gente, sempre quis ser o melhor no que eu fazia. Sempre busquei ser amado e prestigiado por todos, principalmente aos que eu amava.

Nasci em uma família de classe média, no entanto, meus pais vieram de famílias pobres em que o alcoolismo dos meus avôs causou distúrbios familiares. Meus pais sempre quiseram que minha irmã e eu não passássemos por aquela realidade, por isso sempre cobraram muito que estudássemos, pois eles não tiveram esta possibilidade/incentivo.

Aos 14 anos já estudava em período integral, para poder fazer curso técnico na principal escola de SP. Aos 17 anos comecei a trabalhar como técnico em uma grande empresa. Aquilo foi algo grandioso pra mim. Gastei o meu primeiro salário praticamente no mesmo dia em que o recebi. Comprei o computador que eu sempre quis ter, embora na minha casa já tivesse um computador, eu quero O MELHOR e que, obviamente, meu pai não poderia e não teria o porque comprar. Isto se seguiu por 1 ano, aonde eu recebia o meu salário e já o gastava com tudo que eu queria ter, mas não tinha antes porque não queria pedir para o meu pai. Muito das coisas eram desnecessárias e eu mal usei, mas só o fato de poder chegar na loja e comprar com um cartão de crédito, sem ter que pedir para ninguém, já me fazia me sentir ótimo.

Um ano depois, quando tive meu primeiro aumento, decidi entrar na faculdade, pois eu não queria estudar em qualquer universidade, eu queria estuda em A UNIVERSIDADE, queria estudar em uma faculdade de prestígio e nome. Prestei o vestibular e passei. Fui atrás de conseguir desconto, pedi bolsa de atleta e bolsa de precariedade, depois de muito insistir, consegui desconto de 50%. Perfeito! Conseguia pagar minha faculdade, minha academia e meu transporte, tudo com o meu salário. Seria realmente perfeito se eu fosse uma pessoa normal, mas ao começar a frequentar o ambiente da faculdade "requintada" e a fazer amizades, sentia a necessidade de fazer e consumir como eles. Comecei a comprar roupas mais caras, comer em lugares mais caros e a esconder que eu não tinha tanto dinheiro quanto eles. Eu tinha vergonha de dizer que vinha de uma família simples, que tinha bolsa de estudo, que meu salário era contado. Para os meus pais, sempre dizia que minhas contas estavam em dia, mas este foi meu primeiro grande erro, pois foi quando fui apresentado ao Cheque Especial. O meu grande salvador, o dinheiro que eu precisava para honrar minhas dívidas. Achei que estava salvo, eis que passou um mês e vi o juros comendo meu salário. Este foi a primeira vez que senti o fundo do meu poço, embora ainda raso. Neste momento, o desespero bateu a minha porta e eu me senti uma criança perdida e, como toda criança perdida, fui desesperadamente ao colo dos meus pais. Um menino de 18 anos, tomando bronca dos pais por não saber lidar com dinheiro e pegando o primeiro empréstimo familiar. Jurei para mim mesmo que aquela seria a última vez, jamais passaria por aquilo novamente. Doce ilusão...

Aos 20 anos, eu já era referência na empresa, tinha chegado no máximo que eu poderia no meu setor, no entanto, não teria como sair de lá, pois a estrutura da empresa era muito engessada, então uma ex-colega de trabalho me chamou para ir trabalhar com ela. Era uma empresa pequena, mas era no segmento de tecnologia, com tudo que eu sempre quis e, principalmente, com o salário bem maior que o que eu recebia. Não pensei duas vezes, aceitei! No primeiro final de semana após começar a trabalhar, fui ao shopping e comprei o celular top de linha da época e depois levei minha namorada em um restaurante chiques. Gastei meu primeiro salário antes mesmo de recebê-lo. Como toda empresa pequena, sempre existem alguns pequenos problemas de procedimento, por isso no meu primeiro pagamento, eu não tinha nem registro em carteira ainda, recebi via transferência da conta do diretor, mas isso não me assustou, eu estava tão fascinado com o trabalho e o meu salário, que só conseguia ver as coisas boas. Mais uma vez me sentia o prodígio! Era o mais novo na equipe, sendo sempre elogiado pela inteligência e disposição. Após 1 mês na empresa, decidi comprar um carro. Convenci meu pai a vender o carro dele e comprarmos juntos. Me comprometi a assumir as parcelas do financiamento, Comprei o carro que sempre quis ter, eu queria que todos vissem o quanto eu estava prosperando. No começo, não me importei muito com a parcela, mas uns meses depois, me deparei com uma conta que não fechava. Cartão de crédito, carnê do carro, boleto da faculdade, passeios de fim-de-semana... Eu jamais iria admitir para alguém que eu estava fracassando, muito menos para as pessoas próximas, eis que meu velho companheiro reaparece, o Cheque Especial. Quanto mais usava o cheque especial, mais o banco aumentava meu limite do cheque especial e do cartão de crédito. Passei a considerar o cheque especial como parte do meu dinheiro, como se eu não tivesse que devolver ao banco. Mês a mês eu só pensava em pagar as contas, não me importando se estava usando o cheque especial ou pagando o mínimo do cartão de crédito.

Continuei vivendo como se estivesse tudo ótimo. Quem me via, via um jovem de sucesso, um prodígio, alguém a ser seguido. Quando meus pais me perguntavam sobre como eu conseguia pagar tudo aquilo, eu inventava pequenas mentiras, jamais assumiria para eles a minha falência iminente.

Tão certo quanto 1+1 são 2, chegou a minha 2ª falência. Meu cheque especial tinha sido totalmente consumido e não tinha mais limite no cartão de crédito, além de uma gigantesca conta a pagar. Me senti desesperado, sem chão, mais uma vez como uma criança perdida que não vê como achar uma saída. Recorri mais uma vez aos meus pais, mas dessa vez contei meias verdades com algumas grandes pitadas de desculpas e auto piedade. Falei o quanto estava difícil pagar a faculdade sozinho, que estava me desdobrando em mil para não parar com o meu sonho de me formar, mas que o dinheiro estava curto, ou seja, indiretamente manipulei meu pai de uma forma sórdida, o fiz pensar que eu só estava com dívidas porque a faculdade era cara, mas não disse o quanto de coisas inúteis eu tinha comprado, o quanto de lugares caros eu tinha frequentado e etc. Mesmo com tudo isso, não consegui falar para ele o real tamanho da minha dívida, minha vergonha era muito grande, eu não queria ser olhado com dó ou com desaprovação, afinal, eu era o filho prodígio. Naquele dia, meu pai fez um empréstimo no nome dele e me deu o dinheiro para cobrir o rombo que eu tinha feito. Jurei para ele que jamais faria aquilo de novo e que ia zelar pelo meu salário. Contudo, como não falei o real tamanho das minhas dívidas, o valor deu para cobrir parte do rombo, o restante "negociei" com o banco. Paguei muito caro por este erro, pois em menos de 6 meses eu tinha voltado a usar o Cheque Especial e aos velhos hábitos de gastos.

Esse círculo vicioso ocorreu por mais alguns anos, com viagens internacionais, produtos importados, restaurantes caros e etc... até que cai na realidade após terminar um relacionamento de anos. Eu estava destruído afetiva e financeiramente. Não via motivos e nem perspectivas para sair do buraco. Contas atrasadas, Cheque Especial no limite, cartão de crédito estourado e um imóvel para pagar. Eu vivia uma grande mentira, ninguém sabia do tamanho do meu problema, pois as últimas forças que eu ainda tinha, eu usava para mascarar tudo isso. Até que um dia não aguentei mais e, mesmo tendo vivido uma vida baseada no catolicismo e amor a Deus, pela primeira vez pensei em SUICÍDIO. Eu não me via mais como uma pessoa útil a ninguém. Eu tinha me tornado um peso para a minha família e quem mais viesse a depender de mim. Só conseguia ver isto como solução.

Mesmo sem saber do quanto eu estava perdido, um dia meu pai me chamou na sala para assistir com ele um programa na TV Cultura que falava sobre educação financeira e, coincidência ou não, neste dia estavam falando sobre o D.A. (Devedores Anônimos). Em 5 minutos de programa e depoimentos, eu soube que era ali que eu deveria estar. No mesmo dia entrei na internet e vi que as reuniões da unidade Jardins eram próximas ao meu escritório e o horário era exatamente após o meu expediente. Coincidências e mais coincidências me levaram para a primeira reunião. Eram 3 companheiros que me acolheram como irmãos, que ouviram meu depoimento desesperado e fizeram seus depoimentos. Vi que estava entre iguais. Vi que eu não estava mais sozinho. Ouvi a frase que marcou o meu início de reabilitação "Só por hoje, você é a pessoa mais importante".

Comecei a ler a literatura, a conversar com os companheiros, ouvir as partilhas e partilhar o que eu sentia. Me senti bem logo nas primeiras reuniões e depois de 2 meses, já me sentia suficientemente confiante a seguir minha vida. Eu já imaginava ter entendido os passos e filosofia do grupo e tinha ouvido partilhas suficientes para saber o que fazer e o que não fazer. Mas isso foi só uma ilusão, Foi a minha "doença" da compulsão querendo que eu não visse que não sou auto suficiente no quesito dinheiro. Consegui ir mais pra baixo no buraco e achei o ponto mais fundo do meu poço.

Só há um lugar onde minha recuperação existiu de fato e este lugar é a sala de D.A.! Desde que voltei a frequentar regularmente o grupo, coisas inexplicáveis aconteceram. Dívidas que eu achei que demoraria anos para resolver, foram se resolvendo em meses. Dinheiro que eu achava que faltaria, começou a sobrar. Produtos que eu achava imprescindível , passaram a ser desnecessários. Finalmente percebi que viver bem, é viver simples, é viver 24 horas por vez. Nem sempre tudo acontece como espero, mas quando isso acontece, sei que posso recorrer a algum companheiro(a) e ao D.A.

Só por hoje, agradeço pelo Poder Superior ter me guiado ao grupo de D.A.

Só por hoje, sou dono do meu destino e tenho muitos motivos para viver.

Anônimo - Junho/2014