Primeiros Passos

Admitimos que éramos impotentes perante as dívidas; que tínhamos perdido o domínio sobre nossas vidas.

 

Síntese

Quem gosta de admitir a derrota total? A admissão da impotência é o primeiro passo para a libertação. A relação entre a humildade e a solvência pessoal. A obsessão mental somada à alergia física. Por que é necessário que todo D.A. chegue ao “fundo do poço”?

  1. Quem se dispõe a admitir a derrota completa? Quase ninguém, é claro. Todos os instintos naturais gritam contra a idéia da impotência pessoal. E verdadeiramente terrível admitir que, com ou sem dinheiro, temos convertido nossas mentes numa tal obsessão pelo gastar compulsivo, que somente um ato da Providência pode removê-la.

  2. Nenhuma outra forma de falência é igual a esta. O endividamento compulsivo, transformado em voraz credor, nos esvazia de toda auto-suficiência e toda vontade de resistir às exigências. Uma vez que aceitamos este fato nu e cru, nossa falência como seres humanos está completa.

  3. Porém, ao engressar em D.A., logo encaramos essa humilhação absoluta de uma maneira bem diferente. Percebemos que somente através da derrota total é que somos capazes de dar os primeiros passos em direção à libertação e ao poder. Nossa admissão de impotência pessoal acaba por tomar-se o leito de rocha firme sobre o qual poderão ser construídas vidas felizes e significativas.

  4. Sabemos que pouca coisa de bom advirá a qualquer devedor que se tome membro de D.A. sem aceitar sua devastadora debilidade e todas as suas conseqüências. Até que se humilhe desta forma, sua solvência – se a tiver – será precária.

  5. Da felicidade verdadeira, nada conhecerá. Comprovado sem sombra de dúvida por uma longa experiência, este é um dos fatos de vida de D.A. O princípio de que não encontraremos qualquer força duradoura sem que antes admitamos a derrota completa é a raiz principal da qual germinou e floresceu nossa sociedade toda.

  6. Inicialmente, ao sermos desafiados a admitir a derrota, a maioria de nós se revoltou. Haviamos nos aproximado de D.A. esperando ser ensinados a ter autoconfiança. Então nos disseram que, no tocante à dívida, de nada nos serviria a autoconfiança, aliás, era um empecilho total. Nossos padrinhos afirmaram que éramos vítimas de uma obsessão mental tão sutilmente poderosa que nenhum grau de força de vontade a quebraria. Não era possível, disseram, a quebra pessoal desta obsessão pela vontade desamparada.

  7. Agravando nosso dilema impiedosamente, nossos padrinhos apontaram nossa crescente sensibilidade à dívida – chamaram-na de alergia. O tirano endividamento empunhava sobre nós uma espada de dois gumes: primeiro éramos dominados por um anseio louco que nos condenava a continuar gastando e devendo dinheiro, e depois por uma alergia prenunciadora de que acabaríamos nos destruindo. Pouquíssimos mesmo eram os que, aflitos desta forma, haviam saído vitoriosos lutando sozinho. Era um fato estatístico, que os devedores quase nunca se recuperavam pelos seus próprios recursos.

  8. Nos primeiros tempos de D.A., somente os devedores mais desesperados conseguiam entender esta verdade. Mesmo estes “agonizantes” frequentemente encontravam dificuldades em reconhecer quão poucas esperanças havia. Contudo, alguns o reconheceram, e tendo se agarrado aos princípios de D.A. com o mesmo fervor dos que estão se afogando e se agarram aos salva-vidas, quase que invariavelmente se tornaram solventes. É por isso que a primeira edição do livro Devedores Anônimos, publicado quando éramos poucos membros, tratava somente de casos desesperados. Muitos devedores menos desesperados experimentavam D.A., mas não eram bem sucedidos porque não podiam admitir a sua impotência.

  9. É com imensa satisfação que podemos afirmar que, com o decorrer dos anos, isso mudou. Os devedores compulsivos que ainda mantinham sua saúde, suas famílias, seus empregos, e até dois carros na garagem, começaram a reconhecer sua situação. Ao crescer esta tendência, uniram-se a eles muitos devedores jovens, que mal passavam de gastadores em potencial. Evitaram os últimos dez ou quinze anos de puro inferno pelo qual nós outros havíamos passado. Em vista de que o Primeiro Passo exigia a admissão de que nossas vidas haviam se tornado ingovernáveis, como podiam pessoas como estas aceitar este passo?

  10. Obviamente, era necessário elevar o fundo que nós outros havíamos atingido para o ponto em que esse fundo os atingisse. Voltando para trás em nossas próprias histórias de dívidas, podíamos mostrar que anos antes de reconhecê-lo, já havíamos perdido o controle; que, mesmo naquela época, nosso jeito de gastar dinheiro deixara de ser um mero hábito, sendo realmente começo de uma progressão fatal. Aos duvidosos podíamos dizer: “Talvez você não seja devedor compulsivo, afinal de contas. Por que não tenta seguir gastando controladamente, lembrando-se sempre do que lhe temos dito a respeito do endividamento?”

  11. Esta atitude trazia resultados imediatos e práticos. Então, descobriu-se que quando um devedor compulsivo plantava na mente de outro a idéia da natureza verdadeira da enfermidade, este outro jamais seria o mesmo outra vez. Após cada dívida, diria a si mesmo: “Talvez esses D.As. tenham razão…” Depois de algumas experiências semelhantes e, frequentemente, anos antes do começo das dificuldades extremas, ele voltaria a nós, convencido. Havia atingido o fundo do seu poço tanto quanto nós. A própria dívida havia se tornado a nossa melhor advogada.

  12. Por que insistir tanto em que todo D.A. precisa, antes de mais nada, chegar ao fundo do poço? A resposta é que poucas pessoas praticarão sinceramente o programa de D.A. a não ser que tenham atingido o fundo. Pois praticar os restantes onze passos de D.A. requer a adoção de atitudes e ações que quase nenhum devedor que ainda esteja se endividando sonharia adotar.

  13. Quem se dispõe a ser rigorosamente honesto e tolerante? Quem se dispõe a confessar suas falhas a um outro e a fazer reparação pelos danos causados? Quem se interessa, ao mínimo, por um Poder superior ou menos ainda por meditação e oração?

  14. Quem se dispõe a sacrificar seu tempo e sua energia tentando levar a mensagem de D.A. ao próximo? Não, o devedor típico, egoísta ao extremo, pouco se interessa por estas medidas a não ser que tenha de tomá-las para sobreviver.

  15. Sob a chicotada do endividamento, somos impelidos ao D.A., e ali descobrimos a fatalidade de nossa situação. Nessa hora, e somente nessa hora, é que nos tornamos tão receptivos a sermos convencidos e tão dispostos a escutar como os que se encontram à beira da morte.
Admitimos que éramos impotentes perante as dívidas; que tínhamos perdido o domínio sobre nossas vidas.