Continuo voltando

Muitas coisas se passaram desde que enviei o meu primeiro depoimento – por volta de agosto/2003. A começar pela minha tomada de consciência.

Quando ingressei no grupo há cinco anos e alguns meses, meu único objetivo era pagar as dívidas a fim de reconquistar a confiança da minha família; já que as relações estavam estremecidas. O que eu não imaginava era que eu iria ter um padrão de vida muito melhor do que tinha nessa época.

Neste tempo, perseverei na recuperação. À medida que freqüentava as reuniões, muitas fichas caíam. Entre elas, tive a percepção de muitos padrões de comportamento que me levavam ao endividamento compulsivo. Um deles foi a incapacidade de dizer não e estipular limites. Outro foi o hábito de mentir. Mentia a fim de não sofrer retaliações.

Um companheiro veterano disse uma frase que me marcou muito: “em um processo de recuperação, para ganhar vc tem que perder”. Realmente perdi muito na fase inicial: dinheiro, “amigos” e outras coisas das quais não me recordo. Por outro lado, fiz uma nova rede de amigos, reconquistei a confiança da minha família e outras coisas que se seguem.

O primeiro ano da recuperação foi o mais marcante. Minha irmã foi para a Inglaterra morar por um ano lá e, além do sustento total da minha casa (minha prima que então nos ajudava, mudou de residência), surgiu a oportunidade de ir ao exterior em agosto do próximo ano. Era “pegar ou largar”. Como eu trabalhava em uma companhia aérea, a questão da passagem era relativamente fácil. O problema era ajuntar dinheiro, principalmente para uma DA iniciante. No mês anterior, fiz uma reunião de alívio de pressão, mas a viagem não estava programada. A partir de setembro, comecei a juntar dinheiro e surpreendentemente, conseguia honrar credores, sustentar a casa e comprar moeda estrangeira – na ocasião, o valor do euro chegava quase na casa dos quatro reais, um dos mais altos até então.

Lembro-me bem da época da Copa do Mundo de 1998; como sou fascinada por Paris, ficava sonhando com um passeio pela cidade enquanto via os pontos turísticos que eram televisionados. Se algum guru me dissesse que dentro de seis anos eu iria para lá e logo em seguida passaria vinte dias em Liverpool na casa da mana e três em Londres, o chamaria de louco; pois eu estava no auge da minha ativa do endividamento.

Em agosto, consegui minha meta. Em DA, aprendi a planejar, ter metas, não aceitar abusos e a separar emoção do dinheiro. Lógico que tenho de melhorar muito, mas é um passo de cada vez, dia após dia.

Outro fato marcante foi o ápice da crise da empresa em que eu trabalhava. Nessa época, fui transferida de setor e tive uma chefe abusadora. Já não agüentava mais a falta de respeito – salário e benefícios atrasados – por falta da empresa. Agüentar aquela mulher por pouco mais de um ano foi a gota d’água. Tinha medo de correr riscos, afinal fiquei quase doze anos com medo de arriscar algo melhor. Este sentimento paralisou-me completamente… Tinha medo da rejeição e de ser reprovada em concursos ou testes. Resolvi arriscar a sorte. Pior do que estava não dava mais para ficar. Cheguei no meu limite.

Houve uma demissão em massa em julho de 2006. Pela graça do Poder Superior, eu continuei no local de trabalho. Comparecia a entrevistas, testes e, em meados de agosto, fiz um teste sem grandes expectativas. Fui advertida de que não era algo 100% seguro, pois iria ter um processo de primeirização – contratação de funcionários concursados. Iria como terceirizada. Qual não foi a minha surpresa: depois de quinze dias o preposto me chamou para dar início à minha admissão.

Estou nesse emprego até hoje. Posso dizer que minha recuperação é um processo lento e gradual, entretanto é via de mão única. Não tem mais volta. Bem como os progressos adquiridos.

Não estipulava metas com o medo do fracasso. Só por hoje, as estipulo. Embora não as cumpra totalmente, pelo menos tento fazê-las. (a frase em negrito foi adaptada do poema só por hoje).

Ainda falta liquidar 30% do meu montante de dívidas. Continuo voltando sempre… em primeiro lugar pela gratidão ao Poder Superior, ao grupo e aos companheiros, sejam eles veteranos ou novatos.

E o outro motivo é não fazer aquelas coisas que depois de feitas, não sei mais conviver com elas. Embora a doença esteja detida, é incurável e traiçoeira. A recuperação demanda muita dedicação e disciplina. Outra fase que adotei como lema dita por um companheiro de outra sala: “a recuperação é difícil, mas a doença é mais difícil ainda”. É um prazer imenso levar a mensagem aos outros companheiros.

O que posso sugerir é continuar voltando, assim como eu o fiz. O segredo sempre estará na próxima reunião.

Obrigada a todos

Paz, serenidade e solvência.

Cinthya
novembro/2007